31,5% de silêncio: por que Porto Alegre ignorou as urnas?
Alexandre Cruz, jornalista Análise Política Hoje
Em Porto Alegre, um terço dos eleitores decidiu não votar, marcando a maior abstenção entre as capitais do Brasil. Com 31,5% de ausências, a cidade acendeu um sinal de alerta. Afinal, o que significa quando uma parcela tão expressiva da população opta pelo silêncio em uma eleição que pode definir os rumos de questões cruciais como transporte público, habitação e privatizações? Esse dado vai além de um simples número: revela camadas profundas de descontentamento e distanciamento entre os cidadãos e a política.
Historicamente, a capital gaúcha que já foi um modelo de participação popular, onde o Orçamento Participativo floresceu como exemplo de engajamento democrático. O crescimento da abstenção soa como uma crítica silenciosa. O voto é uma ferramenta poderosa de mudança, mas quando tantos eleitores decidem não usá-lo, é preciso entender as razões. Descrédito, desinteresse ou dificuldades práticas?
Atualmente, Porto Alegre vive um momento de polarização política intensa. Para muitos, a escolha entre candidatos representa não apenas uma opção de governança, mas também um posicionamento ideológico. Esse cenário de extremos pode ter afastado eleitores que não se identificam com nenhum dos lados em disputa, levando-os a se retirar do processo e a recusar legitimar candidaturas que não refletem seus anseios.
Além dos fatores políticos, questões logísticas também contribuíram para o resultado da abstenção. Após as enchentes de maio de 2024, diversas zonas eleitorais foram realocadas, criando confusão entre eleitores que não sabiam para onde ir. O transporte público, sempre uma pedra no sapato da população, pode ter sido um obstáculo para quem precisava se deslocar até seu local de votação. Embora o passe livre no transporte público tenha sido implementado durante o dia da eleição, a precariedade do sistema, com frequência irregular e escassez de linhas que atendem áreas distantes, limitou sua eficácia. Quando o direito ao voto depende de uma série de dificuldades práticas, muitos acabam por não exercê-lo.
Na sexta-feira passada, no artigo "Mudanças nas seções eleitorais em Porto Alegre: um risco à participação democrática?", eu já havia alertado para esse risco. As mudanças nas zonas eleitorais, somadas às condições adversas de locomoção, poderiam desencadear um cenário preocupante, como se confirmou no dia de ontem.
Apesar da alta abstenção, um nome se destacou como símbolo de que a mobilização popular ainda tem força: Márcio Chagas. Mesmo sem um comitê ou a infraestrutura tradicional de campanha para vereador, ele conquistou mais de quatro mil votos e garantiu uma posição de suplente. Seu desempenho é uma prova de que a força de uma candidatura não depende apenas dos recursos financeiros. Em um contexto de apatia eleitoral, a campanha de Chagas surpreendeu pela capacidade de mobilização, mostrando que o apoio popular pode encontrar meios de se manifestar.
É importante também considerar o crescente desinteresse entre os jovens por uma política que parece distante de suas realidades. Para essa parcela do eleitorado, o voto pode não ser mais visto como a principal forma de exercer cidadania. Redes sociais e movimentos autônomos emergem como alternativas, relegando o voto a segundo plano.
O resultado é preocupante: uma democracia em que a participação está em queda, fragilizando a legitimidade do processo eleitoral. A abstenção recorde na capital do Rio Grande do Sul não apenas modifica os resultados imediatos da eleição, mas também levanta questões sobre o futuro da cidade. Como eleger um representante quando um terço da população escolheu não se pronunciar?
Essa é uma questão que Maria do Rosário e Sebastião Melo terão que enfrentar com seriedade no segundo turno. Recuperar esses eleitores ausentes será um grande desafio, não apenas para vencer, mas para governar com legitimidade. O caminho para isso passa por entender as causas desse afastamento e propor soluções concretas para reengajar a população.
A crise da participação democrática em Porto Alegre reflete um problema maior que afeta o Brasil. Enquanto políticos se envolvem em debates superficiais e promessas de curto prazo, as necessidades reais dos cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, permanecem em segundo plano. O transporte público, a educação, a saúde e as privatizações que dividem a opinião pública não recebem a atenção necessária para gerar um debate profundo e transformador.
A capital gaúcha, que já foi símbolo de inovação política, agora enfrenta o desafio de resgatar sua tradição de participação popular. Para isso, é preciso mais do que apelos eleitorais: é necessário um novo pacto social, onde a política volte a ser vista como um instrumento de mudança real. Isso exige uma reconexão com os eleitores, especialmente aqueles que decidiram não comparecer. Afinal, a abstenção não é apenas um voto de silêncio, mas uma crítica ao próprio sistema.
As urnas vazias de ontem nos deixam uma mensagem clara: a democracia não pode se sustentar sem participação. E a responsabilidade de reverter esse quadro não é só dos eleitores, mas também dos políticos, dos movimentos sociais e de toda a sociedade civil. Porto Alegre precisa urgentemente repensar suas estratégias de engajamento, resgatar a confiança perdida e oferecer soluções que estejam à altura dos desafios que a cidade enfrenta.
O segundo turno será uma oportunidade para que os candidatos demonstrem que entenderam o recado das urnas vazias. O silêncio de 31,5% dos eleitores não pode ser ignorado, mas deve ser interpretado como um chamado à ação. Porto Alegre, com sua rica história democrática, merece mais. Merece ser ouvida. E, acima de tudo, merece ser governada com a participação ativa de todos os seus cidadãos.
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