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O que explica o voto dos atingidos pela enchente de 2024?
Por Alexandre Cruz, Análise Política Hoje
A enchente de 2024 devastou Porto Alegre, especialmente o bairro Humaitá, onde muitas famílias perderam suas casas, bens e, com eles, a estabilidade. Esse caos rapidamente se transformou em terreno fértil para a batalha eleitoral. Sebastião Melo, prefeito da capital, tornou-se alvo de críticas de seus adversários, que o responsabilizavam pela falha no sistema de proteção contra cheias. Ainda assim, surpreendentemente, Melo recebeu uma forte votação justamente nessas áreas atingidas. Como explicar essa aparente contradição?
Segundo uma análise realizada pela cientista social Adriana Paz Lameirão, mestre em Ciência Política pela UFRGS, o voto em Melo reflete um cenário complexo, onde a percepção da população local se formou a partir de necessidades imediatas e práticas, mais do que de um debate ideológico. A partir de uma entrevista realizada, Adriana destacou a perspectiva de uma moradora com forte envolvimento comunitário (igreja católica, CTG e academia local), Lameirão identificou que a ausência da esquerda no território, tanto no resgate imediato quanto nas ações de reconstrução, foi determinante para esse comportamento eleitoral.
Enquanto a esquerda criticava nas redes sociais e atribuía a Melo a responsabilidade pela catástrofe, a realidade no terreno era outra: a presença ativa de vereadores, empresários e instituições religiosas, todos alinhados à direita, supriu o vácuo deixado pela oposição. Esse contraste entre discurso e ação revela uma dissonância fundamental entre o que a esquerda considerava prioritário e o que os eleitores das áreas inundadas realmente valorizaram.
Embora setores progressistas tenham colaborado com cozinhas comunitárias e arrecadações de donativos, essas ações ocorreram longe dos territórios diretamente afetados. Nos bairros inundados, quem estava presente, realizando resgates e distribuindo ajuda humanitária, eram grupos alinhados à direita, que prestaram assistência imediata, como a entrega de marmitas e ranchos. A presença física superou o discurso político, criando um vínculo mais direto com os eleitores.
No período pós-enchente, essa atuação da direita se consolidou. Vereadores, candidatos e empresários não apenas marcaram presença simbólica, mas também contribuíram ativamente para a reconstrução da vida das famílias afetadas. Doações de móveis, eletrodomésticos, materiais de construção e até apoio físico nas limpezas das casas reforçaram a ideia de que a direita estava comprometida com a recuperação imediata. Redes articuladas por igrejas e organizações comunitárias fortaleceram o capital social desses grupos, influenciando diretamente o comportamento eleitoral.
A análise de Adriana Lameirão reforça que a crítica da esquerda, embora pertinente ao focar na responsabilidade de Melo, falhou em capturar o que os eleitores mais atingidos consideravam urgente: a necessidade de reconstruir suas vidas no curto prazo. Para os moradores dessas áreas, o temor de novas enchentes é uma preocupação futura; o presente, no entanto, exigia soluções práticas e imediatas.
A pesquisadora também destaca que, embora sua análise não possa ser generalizada para toda Porto Alegre, ela reflete as percepções de uma moradora com uma vivência comunitária específica, representativa de uma parcela significativa de uma parcela significativa do bairro Humaitá. Essa visão local é relevante e fornece insights sobre a realidade daquela região, mesmo que não sejam aplicáveis a toda a cidade
Por fim, o distanciamento da esquerda e sua falha em se apropriar das ações do governo federal de ajuda ao Rio Grande do Sul, como auxílio emergencial e os programas de recuperação de desastre, e em comunicar os danos às comunidades atingidas resultaram em um sentimento de abandono. É imperativo que os partidos de esquerda não apenas reconheçam esse sentimento, mas também desenvolvam uma comunicação eficaz e uma conexão genuína com as comunidades afetadas. Em contraste, a presença ativa de Melo e seus apoiadores consolidou a imagem do prefeito como alguém que estava preocupado com a vida imediata das pessoas. A capacidade de Sebastião Melo de se apropriar do sucesso das iniciativas do governo Lula evidencia como a política narrativa pode influenciar o comportamento eleitoral. Esse cenário serve como um alerta para campanhas progressistas: é crucial que o discurso político esteja alinhado às demandas urgentes da população, e que ações concretas e presença no território sejam priorizadas para reconquistar a confiança de eleitores que, no passado, já votaram à esquerda.
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