Por que a esquerda não pode ignorar o assédio: um desafio para o futuro
Alexandre Cruz, jornalista Análise Política Hoje
Recentemente, a esquerda tem enfrentado uma sequência de baixas, além das disputas políticas. Em meio aos intensos debates sobre justiça social e direitos humanos, é alarmante que figuras de peso, como o filósofo Silvio Almeida, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos e o deputado federal Sumar, Íñigo Errejón (Espanha), estejam envolvidos em acusações de assédio sexual.
Além do assédio sexual, o assédio moral também merece atenção, pois muitas vezes se manifesta em dinâmicas de poder dentro dos movimentos progressistas. Quando os líderes falham em criar um ambiente de respeito e apoio, a confiança se dissipa, e as vozes das minorias são silenciadas. A luta pela justiça não se limita apenas às grandes questões sociais, mas permeia as relações interpessoais, tornando-se essencial que a esquerda enfrente esses desafios com a mesma seriedade. Ignorar o assédio moral significa correr o risco de perpetuar uma cultura tóxica, que mina a integridade do movimento. Essa dissonância entre os valores pregados e o comportamento dos representantes enfraquecem a imagem pública do campo. Não é apenas uma questão moral, mas um dilema ético que toca as raízes do que somos, e não apenas do que defendemos.
Ao longo de décadas, a esquerda construiu uma narrativa em que a justiça e os direitos das minorias são inegociáveis. No entanto, se esses casos forem tratados de maneira equivocada ou leniente, a própria legitimidade dessa bandeira progressista pode ser enfraquecida. Há também uma questão de responsabilidade. Se a esquerda exige que a direita preste contas sobre o respeito a esses princípios, é imprescindível que ela mesma lidere pelo exemplo. Quando figuras de destaque enfrentam acusações e a resposta é a negação ou, pior ainda, o silêncio, o movimento progressista perde parte de sua autoridade moral, junto com o apoio de bases sensíveis a esses valores, especialmente entre os jovens. A longo prazo, os riscos dessa postura são claros: uma nova geração, em busca de lideranças firmes e consistentes, mostra-se mais cética e avessa a figuras que não mantêm um alinhamento entre discurso e prática.
A psicóloga Claudette Seltenreicht defende que o assédio moral é uma questão estrutural e global, afetando diretamente a dinâmica de grupos e a cultura institucional. Ela explica que, tanto no ambiente de trabalho quanto nas organizações sociais, as práticas abusivas não só causam desgaste emocional nas vítimas, mas também comprometem a saúde das equipes e a eficácia das instituições. “Esse tipo de conduta gera uma série de consequências graves para as equipes, alterando a imagem institucional perante a sociedade e degradando as condições de trabalho”, afirma Claudette, que considera o problema uma ameaça à integridade organizacional. Em última instância, o assédio moral tende a silenciar vozes, minar a produtividade e a criatividade dos colaboradores e, ainda, aumentar a rotatividade e a insegurança no ambiente de trabalho.
Seltenreicht observa que, em muitos casos, as vítimas hesitam em denunciar experiências de abuso devido ao temor de represálias ou à ineficácia dos processos internos. Ela ressalta que, sem uma intervenção clara e firme, o comportamento abusivo persiste, criando um ciclo de impunidade. “O silêncio e a hesitação são reforçados pelo medo e pela desconfiança na liderança. Muitos acreditam que, sem uma ação segura, o agressor permanecerá impune, levando à falsa esperança de que a situação se resolverá sozinha – o que, na prática, raramente ocorrerá”, explica.
A dificuldade em denunciar casos de assédio, segundo Claudette, intensifica-se quando o agressor ocupa uma posição de poder, o que torna o processo de denúncia ainda mais desgastante para a vítima. O impacto psicológico e emocional é profundo, e a sensação de vulnerabilidade é agravada pela ausência de um sistema de apoio que ofereça segurança e autonomia às vítimas para que possam se manifestar.
Para lidar de maneira eficaz com o assédio, Claudette Seltenreicht propõe a criação de uma cultura organizacional pautada no respeito e no empoderamento das vítimas. “Ações como a proteção às vítimas e a responsabilização dos autores de assédio são essenciais para uma mudança na cultura institucional”, afirma. Claudette sugere, ainda, que a criação de canais independentes de denúncia e a promoção de um diálogo aberto sobre o tema são estratégias fundamentais para proteger as vítimas e garantir um ambiente seguro para todos.
Estas medidas preventivas vão além da simples proteção das partes envolvidas; elas promovem uma transformação cultural nas instituições, algo especialmente urgente para o campo progressista. Quando líderes progressistas defendem os direitos humanos e a justiça social, é essencial que esses valores sejam aplicados internamente, construindo um ambiente de respeito e integridade. Seltenreicht destaca a importância de educar líderes e gestores, incentivando práticas de feedback e humanização nas relações de trabalho, para que os princípios éticos sejam continuamente elevados e implementados de forma eficaz.
O campo progressista tem, historicamente, defendido os direitos das minorias e a justiça social. No entanto, os casos de assédio expõem um dilema ético: se o movimento não enfrentar esses problemas com seriedade, corre o risco de minar a sua legitimidade e perder o apoio popular, especialmente entre as gerações mais jovens. “A luta por justiça e igualdade exige mais do campo progressista, pois seus princípios se fundamentam em uma reflexão aprofundada sobre questões de gênero e direitos humanos”, reflete Claudette. Segundo ela, a expectativa ética é mais intensa para figuras de esquerda, que, diferentemente dos setores conservadores, devem responder a um código moral alinhado aos valores de justiça e igualdade.
A questão do assédio, como aponta Claudette Seltenreicht, é complexa, mas pode ser abordada de forma eficaz. Ela observa que, do ponto de vista antropológico, não há distinção entre esquerda e direita; somos seres humanos interligados por questões profundas e enraizadas, como a sexualidade e o machismo estrutural, que surgiram com a revolução sexual e as transformações nos interesses sociais, influenciadas por uma cultura global de hedonismo e narcisismo. Questões como a gravidez precoce, o aborto e as novas abordagens de educação sexual também integram esse cenário.
A antropologia da natureza humana transcende as ideologias políticas. A esquerda é cobrada por um estudo mais aprofundado das questões de gênero, e isso se torna ainda mais impactante quando figuras de liderança se desviam dos valores que deveriam representar. O impacto negativo é específico, especialmente porque espera mais de indivíduos comprometidos com os direitos humanos e de gênero. Claudette enfatiza que esses desvios de conduta prejudicam a confiança do campo progressista de forma mais acentuados do que nos setores conservadores, que muitas vezes não geram as mesmas expectativas.
O compromisso com a justiça social exige que a esquerda faça uma autocrítica profunda e tome medidas concretas contra qualquer tipo de assédio e abuso de poder em suas próprias fileiras. Como argumenta Seltenreicht, essa luta requer uma abordagem interdisciplinar que abrange desde a capacitação de líderes até a criação de uma cultura de respeito e empatia, permeando todos os níveis das organizações e dos movimentos sociais. Educar as futuras gerações sobre respeito e igualdade é um passo crucial para que o movimento progressista recupere a confiança e permaneça relevante.
A resposta a esses desafios determinará o futuro da esquerda. Se a coerência entre discurso e prática não for uma prioridade, o campo progressista arrisca-se a perder a autoridade moral que o caracteriza. Como enfatiza Claudette Seltenreicht, uma cultura de prevenção e combate ao assédio, construída com base em valores éticos e educativos, é fundamental para manter viva a luta por um mundo mais justo e igualitário.
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